Viagem pra Dentro

Vida depois do intercâmbio: a volta pra casa e seus sintomas

Viagem pra Dentro | 10/11/13 | Atualizado em 16/12/17 | 19 comentários

Voltar pra casa depois de morar fora é meio estranho. Não importa se você achava que já era hora ou queria continuar a aventura por mais tempo: se você curtiu o tempo que passou em terras estrangeiras, provavelmente sentirá alguns dos sintomas abaixo, em maior ou menor intensidade. Mas não se preocupe, você não está doente. Ou talvez esteja com a doença da viagem, que felizmente tem uma cura maravilhosa: outras viagens! o/

1. Planejar qual é o próximo destino a ser desbravado

Viajar vicia. Se você tiver tomado gosto pela coisa, é muito provável que depois de um tempo morando fora o bichinho da inquietação não saia mais da sua corrente sanguínea. Aceite – e abrace – o fato de que você vai passar boa parte dos seus dias procurando formas de viver novas experiências em terras estrangeiras ou sonhando com cada vez mais destinos. Prepare-se pra bater ponto em sites de companhias aéreas, páginas de bolsas de universidades e blogs de viagem, dormir com um mapa mundi na mão e se pegar respondendo aos “voltou pra ficar?” com um “rapaz…….”. Faz parte.

2. Começar a juntar dinheiro pra viajar de novo

Pra poder concretizar o ponto 1 e fazer valer todas essas horas de planejamento, você provavelmente vai precisar garantir um aspecto fundamental: a grana. Não bastasse o bichinho da viagem pulsando nas veias, depois de fazer tantos amigos no lugar onde morou e em outras paragens mundo afora fica difícil controlar a vontade de revê-los assim que possível. Além disso, é bem capaz de você começar a relativizar a importância de certos itens de consumo que pareciam fundamentais antigamente, o que pode dar um empurrãozinho no esforço pra economizar o máximo possível pra comprar a próxima passagem o/

Não ha lugar como um quarto de albergue ;)

Não ha lugar como um quarto de albergue ;)

3. Ficar morrendo de inveja quando alguém vai “pra lá”

Quando alguém diz que vai pra o lugar onde você morou, seja a passeio ou pra morar, você se sente a) feliz porque uma pessoa querida vai conhecer um lugar tão querido pra você e b) morrendo de inveja e bolando planos pra trocar de identidade com o cidadão e embarcar no lugar dele. Outra coisa provável é você fazer uma lista de coisas que a pessoa tem que conhecer na cidade e perceber que ela não terá tempo de fazer tudo. Também aposto meu travesseirinho de avião que em algum momento você vai se dar conta de que não tem nenhuma objetividade em relação ao tal lugar e é incapaz de explicar por que aquele bar sujinho é tão maravilhoso.

4. Misturar expressões do outro idioma no seu

Já tirei onda de amigos que voltavam de viagem usando uma sintaxe estranha ou palavras que não soam muito naturais em português. Mas mordi a língua quando comecei a falar que alguma coisa “dá igual” pra dizer que tanto faz e usando “tampouco” com maior frequência do que o habitual. Ao passar semanas sem falar nenhuma palavra no idioma materno e uns bons meses ouvindo e lendo a língua estrangeira, é bem possível que seu cérebro também dê uns pequenos tilts e, como consequência, saiam da sua boca umas frases engraçadas. Mas não se preocupe: em pouco tempo você voltará a funcionar como um bom lusófono.

5. Sentir falta das comidas “de lá”

Acho que isso não é exclusividade de quem tem a alma gordinha como eu: a comida é uma das partes mais marcantes de uma nova cultura e uma das que mais fazem falta quando a gente vai embora. Por isso, enquanto estiver fora lembre-se sempre que a falta que você sente da feijoada, do queijo coalho, da coxinha e do suco de cajá é temporária e concentre-se em aproveitar ao máximo as tapas, os pains au chocolat, os apfelstrudels, os queijos e todas as delicinhas do dia a dia que você não vai conseguir encontrar por aqui (não por um preço decente e qualidade similar, pelo menos). Ainda sonho com os corredores do Mercadona, mas tou conseguindo lidar com a abstinência. Um dia de cada vez, né?

Meu primeiro tinto de verano na volta à Espanha depois de alguns anos <3

Meu primeiro tinto de verano na volta à Espanha depois de alguns anos <3

6. Querer convencer todo mundo a viajar também

Ok. Você descobriu, ou confirmou, que passar um tempo fora do seu país é tão ou mais enriquecedor quanto dizem por aí – além de não ser tão difícil quanto pode parecer. Daí é claro que não vai querer guardar essa constatação pra você, né? A vontade de segurar seus amigos pelos ombros e chacoalhá-los dizendo “vá e veja!” pode ser grande, mas pedimos encarecidamente que você se esforce pra manter a integridade física de todos os envolvidos. Não é que todo mundo deva viajar só porque você acha legal, mas estimular o povo a correr atrás de sonhos e ultrapassar fronteiras é massa. E esse é um dos motivos pra eu querer manter esse blog bem vivo :)

7. Encontrar com amigos e se comunicar com base em piadas internas 

Se você tiver a sorte de reencontrar seus amigos do tempo em que morava fora, saiba que é pouco recomendável convidar outras pessoas pra essa reunião. Certamente, 88% das conversas de vocês (cheguei a esse número através de uma pesquisa científica confiabilíssima) vão girar em torno de piadas internas, referências e lembranças que ninguém mais vai entender direito fora vocês. Por felicidade, quase todos os brasileiros que eu conheci na Espanha eram pernambucanos e já pude revê-los aqui no Recife e comprovar que não deve ser fácil ficar perto da gente ;) Tentar reviver os bons momentos e relembrar situações é inevitável, né?

Valladobitches - um caldeirão de "internas"

Uma vez valladobitches, sempre valladobitches (*interna*)

8. Ter dificuldade pra se reacostumar à rotina

Mesmo com uma rotina de estudos, trabalho e obrigações, um período de “intercâmbio” dificilmente é tão rotineiro quanto a vida na sua cidade natal. Sempre há coisas a se descobrir, desde uma expressão idiomática engraçada a uma curiosidade sobre os hábitos do país do seu amigo, passando por peculiaridades suas que você nem sabia que existiam. Tarefas cotidianas como ir ao cabeleireiro ou ao médico podem ter cara de novidade e isso tudo vai deixando a vida mais emocionante. Voltar pra casa é uma deixa pra retomar velhos hábitos, reviver velhos problemas e voltar a viver os dias sem muitas novidades. Fica o desafio de buscar algo novo e instigante no meio do casa-trânsito-trabalho-trânsito-casa de sempre ;)

9. Sentir que você nunca mais vai ser inteiro

Não tem jeito. Um pedaço sempre vai estar faltando. Se você ficar no seu país natal, uma parte sua sempre vai sentir falta do que ficou por lá. Se resolver ir morar fora de vez, não preciso nem falar da saudade dos amigos e família, né? É como sair por aí distribuindo pedaços do seu coração. Quando a gente viaja, vamos costurando gente, amor, sorriso. Vamos dando um ponto e outro com sorrisos e lágrimas, e no fim das contas pode ser difícil saber em que quebra-cabeça a gente se encaixa. Mas e daí? O divertido é ir, ao mesmo tempo, colecionando corações. Até que a gente já não saiba viver sem abrir novas janelas…

Se identificou com algum dos pontos acima? O que acrescentaria à lista? Conta aí nos comentários! :D

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19 Comentários

  1. bea

    Pois é, Lu, não é fácil voltar. O danado é que voce deixa de ter uma nacionalidade específica, porque voce passou a ser do mundo. Nada de bairrismo ou coisa igual. Cada lugarzinho que foi visitado ficou em voce. E aí, como vai ser agora? That’s the question.
    Minha sugestão: fique no ar e observe o mundo lá de cima. Você írá se deleitar de uma vista e tanto…

    • É verdade! Respondo com as palavras de um monge saxão citado por Mia Couto:

      “Quem acha doce a terra natal ainda é um tenro principiante;
      aquele para quem toda a terra é natal já é forte;
      mas é perfeito aquele para quem o mundo inteiro é lugar estrangeiro.” :)

      Brigada pelo comentário! :) Um abraço.

  2. Paulo Alencar

    Impressionado (mais uma vez) como tu sempre escreveu bem! Bom demais ler teus posts, Lug! :) Beijos!

    • Ei, feliz demais com esse comentário :)) Seu lindo. Saudade, Pom! ;) beijo

  3. Thalles

    Não tive a experiência de morar fora, mas a de ser viciado em viagens, essa eu entendo muito bem. Super me identifiquei quando vc escreveu sobre abrir mão de algumas coisas q passamos a ver não serem tão necessárias assim para poder economizar para a próxima viagem. Mesmo não tendo morado fora, faço viagens relativamente longa e sinto alguns outros sintomas, como quando estou fora, sentir saudades daqui e quando estou aqui, fico me coçando para viajar novamente logo.Viajar, conhecer gente, paisagens sabores novos é com toda certeza uma das minhas principais fontes de recarregamento de forças. Adoro ler suas postagens por aqui e super me identifico. Parabéns e….quando e para onde será a próxima?? : ) Bjão!!

    • Thalles, vocês são um exemplo mesmo! Todas as viagens de vocês parecem incríveis e o fato de vocês sempre darem um jeito de escapar pra conhecer esses lugares maravilhosos é uma inspiração :D Porque quando é prioridade a gente desenrola, né? É verdade que esses sintomas certamente se aplicam a muita gente que não “morou” fora :) Brigadão pelo comentário! Beeeijo

  4. Tia Becky

    Pra mim voce acertou em cheio, colecionar coraçoes e lugares incriveis!

  5. gabi

    ademais do teu incontestável talento em pontuar exatamente o que se vive de uma página a outra do passaporte carimbado(íssimo) eu sempre acho que tu lê mentes….
    o ponto nove é sem dúvida alguma o mais forte e mais difícil de lidar – como pensar “no que vai ser minha vida no momento em que eu me ver numa situação mais fixa..??” se não há tempo-espaço fixáveis?????
    te amo lu.bjo

  6. camila

    Todos os sintomas que senti quando voltei da Bélgica! acertou em cheio! :)

    • Que bom, Camila :) Bélgica, que amor <3

  7. Elen

    Poutz, em 2004 fiquei 3 meses na Espanha, e quando li esse post, por um momento, pensei que eu mesma o havia escrito! Principalmente o “sintoma” 6, tuuudo verdade (e dói até hoje)
    (rindo ainda com o “dá igual”…)

    • Hahaha que bom que você se identificou, Elen! :) Um abraço!

  8. Nossa, incrível! Eu nem fui embora e já tô sentindo (quase) tudo isso aí. A coisa mais incrível da viagem é que vc aprende a não ter medo de se apegar a quem possivelmente não vá ver mais ou vá demorar muito tempo pra ver… e o apego fica uma coisa mais leve, mais livre. Por outro lado… já estou sofrendo em pensar como vai ser a rotina, o Brasil sem os brasileiros maravilhosos que me acompanharam nessa minha estadia (pelo menos não todos os dias) e a possibilidade de não ter “plata” pra viajar pro exterior pra visitar os amigos estrangeiros. Dureza!! Ah: estou em Buenos Aires, fazendo um semestre da faculdade. Adorei o blog!! Já sei que estou viciada em viagem… rs

    • Que legal isso que você falou sobre o apego, Letícia! É verdade :) Aproveite o resto da viagem – e as próximas, que certamente virão :D Que bom que você curtiu o blog, volte sempre ^^ Um abraço

  9. Roni

    Luisa , querida que massa esse teu Blog meu !! Não poderia deixar de passar te agradecer e elogiar parabeniza-la pelo trabalho !!! Estou com minha segunda viagem internacional na minha próxima semana . Passando por aquele clima de despedida , hasta luego e com muitas nas cabeças . Seu blog suas experiencias e muitas coisas que li por aqui ,me acalmaram e confortaram muito… Muito obrigado pelo seu trabalho , muito massa !!!!

    • Luísa Ferreira

      Oi, Roni! Que alegria ler esse comentário! ^^ Obrigada por suas palavras. Espero que sua viagem seja incrível!

  10. Camila

    Tãããao verdade.. principalmente o item 9. Parece que fica faltando sempre um pedacinho né? E acho que você mesma me deu a resposta: “É como sair por aí distribuindo pedaços do seu coração”.

    • Pois é, Camila! Mas como diz a música, “pela lei natural dos encontros, eu deixo e recebo um tanto”, né? :) Um abraço!

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